#PraFalarDeAmor

Carta à Mãe Sylvia de Oxalá - São Paulo, 24 de Setembro de 2014

Querida Mãe,

Desejo que a senhora esteja muito bem, em paz e muito bem acompanhada.  Já completamos um mês sem a sra. e não tem sido fácil.  Sabe, ontem dia 23, eu completei 5 meses de santo.  Quando acordei, acordei triste, com uma sensação de vazio, nada fazia muito sentido, eu pedi aos orixás para que me acalentassem, mas nada fazia sentido.  O dia foi transcorrendo, cumpri com as minhas tarefas e de noite encontrei um amigo, o Pira, sabe? Aquele de Oxóssi.  Pois bem, conversando com ele me dei conta do porque da melancolia involuntária, completei 5 meses de santo e a sra. me falta.  Tá todo mundo muito triste ainda, andar pelo Axé é esquisito.  Pra mim, chegar e não vê-la na ponta da mesa pronta pra gritar bem alto "quem tá aí?" ou fazer alguma gracinha, é torturante.  Mas veja, eu não tô escrevendo pra deixar você triste nem nada, é pra repetir de novo o quanto eu te amo.  E dizer que mesmo perdida, eu sigo, firme e forte.  Feliz em algum grau porque eu fui muito feliz mãe, muito abençoada, a sra. tava lá na obrigação, tava no meu preceito e me deixou prontinha pro mundo, pra vida.  Eu queria mesmo é que você soubesse que apesar de todo o sofrimento eu aceito e entendo. Quero que a sra. esteja bem, em paz e não sofra.  Eu sei que você não nos deixou à toa.  

Às vezes, realmente, eu olho pros lados, pra cadeira, pra ponta da mesa e tenho muita vontade de chorar porque eu penso "eu acabei de nascer", mas mesmo assim Mãe, tudo o que eu consigo sentir é amor.  Amor por tudo o que eu vivi, tudo o que a senhora representa pra mim e tudo a que fui introduzida pela senhora.  Sabe, essa é uma nova fase da minha vida, desde antes do nascimento eu aprendi através da senhora e do candomblé algumas coisas que talvez eu demorasse a vida inteira pra enxergar, dentre essas a principal, aprendi o amor Mãe.  Eu achava que o amor morava em um "homem especial" e quando a senhora passou a fazer parte da minha vida eu comecei a entender que o amor mora em mim, mora em tudo o que eu acredito, mora no abraço dos orixás, mora numa roda de Xangô, mora num orô, mora em compartilhar o ageum com os irmãos, morava no seu grito de "Epahey!", morava no seu colo e principalmente no seu olhar.  O amor pra mim vai sempre ser isso, vai ser sentir suas mãos em mim durante um bori, vai ser ouvir sua voz cantando cantigas especiais, vai ser ouvir a senhora subindo o corredor devagarzinho e perguntando como a yaôzinha tá dentro do roncó... amor vai ser ouvir o opaxorô do seu oxalá estridente lá do fundo do salão, vai ser ouvir a senhora gritar "vambora" às 06 da manhã em dia de orô, vai ser ver as suas expressões de emoção e amor nas fotos da minha saída...  Mãe, eu descobri o amor de verdade, o poder que ele tem e eu sei onde encontrá-lo.  Nunca mais serei sozinha porque eu tenho tudo isso tatuado em mim e muito mais.  Fique tranquila, eu criarei novas cenas de amor pra tatuar em mim, mas todas as que vivi com a senhora estão marcadas à fundo.  Eu vou ser uma boa yaô, boa oyassi e bom ser humano.  

Obrigado por marcar a minha existência tão profundamente, por deixar tantos ensinamentos e momentos tatuados em mim e principalmente, por ter me amado.  Eu aprendi com a sra. o que é sentir amor em todos os ângulos, graus e circunstâncias... e eu senti o quanto a sra. me amou, talvez seja essa a maior dor, não sentir o seu amor.   Mas tá tudo bem porque ele transcende e onde quer que a sra. esteja desejo que receba o meu.  Eu, nos próximos meses vou rezar bastante pela senhora, pedir muito pra Oya auxiliá-la no orun e evitarei chorar.  Quando eu chorar mãe, saiba que é de amor, não é tristeza não.  Quando a senhora me ver chorando, pode ficar tranquila porque quer dizer que eu tô lembrando das coisas maravilhosas que vivemos e transbordando em lágrimas de amor e gratidão por elas terem acontecido. Tá?

Espero que Oxalá esteja cuidando direitinho da Sra. e Yemanjá também.  Desejo luz na sua transição aí no orun.  Vou rezar muito Mãe, fique tranquila.  Te amo muito muito e obrigada por absolutamente tudo.

Georgia

Oyássi caçula